Wednesday, December 13, 2006

Ineficácias

Existem trinta e cinco maneiras eficazes de se conter uma lança mágica, quando esta grita por sangue. Nenhuma delas funciona.

As coisas esquisitas de que você se lembra quando acorda de um sonho...e o que é mais estranho, a frase continua martelando na minha cabeça depois, ao contrário da maioria das lembranças de sonhos, que vão-se embora que nem fumaça. Sabe o que é tomar banho, escovar os dentes, escolher uma cueca, pegar o metrô, chegar ao trabalho, sempre acompanhado por um punhado de palavras que parece ter escapado de Conâo o Super-bárbaro número vinte e sete?

No trabalho, quase respondo usando a frase pra alguém que me pergunta se o café acabou. Será que café é uma das maneiras eficazes de se conter uma lança mágica? Fico pensando se as palavras foram a introdução pro sonho, se nele uma das maneiras era mergulhando a lança numa imensa taça de café, forte como o diabo, preto como a noite e doce como o pecado. Como as taças do Chapeleiro Louco em que as crianças brincam na Disney.

A frase me ataca de novo quando estou pedindo uma bala halls depois do almoço. Me lembro da propaganda em que pinguins estapeavam as pessoas em nome de Deus, do Rei e da Halls. Será que lanças mágicas matam pinguins digitais? O que elas bebem, se não têm sangue os cadáveres que produzem? Pixels, números, equações? Será que uma equação sorvida por uma lança mágica deixa de existir para a matemática?

Como se o meio-dia desfizesse os sonhos, consigo ficar sem pensar em lanças mágicas pelo resto da tarde. Às vezes penso que gostaria de ter uma lança mágica para me livrar de algumas coisas, mas é só. Talvez não seja o sol, mas a banalidade quase excessiva de leis e relatórios que espanta Conão, Super-bárbaro, e tudo que ele leva consigo. Como seriam os relatórios de um bárbaro? "Viagem para saque e pilhagem. Resultados m. expressivos, com nossa equipe totalizando 1.045 estupros, 122 casas pilhadas, 226 incendiadas, e 301 escravos adquiridos. Vide relatório médico apensado para baixas."

Na hora do lobo, andando na rua, o instrumento de trabalho de Conão (não esse, a lança) volta para me assombrar. Fico me perguntando se algum dos postes na rua não será o esconderijo secreto de uma lança mágica. Uma lança mágica...talvez todos os postes escondam lanças mágicas, e seja essa, a trigésima-sexta, a única maneira eficaz de se conter uma lança mágica que realmente funciona. Por que funciona? Porque a banalidade dos postes as faz adormecer, ou porque ficam contentes, se alimentando dos sonhos, das preocupações e desejos, dúvidas e inconstâncias dos que passam por elas?

À noite, no banho, ainda tento lembrar o sonho para além da frase. Começo a imaginar - teria sido um sonho surrealista, em que a frase era pronunciada por um velho de nariz grande, ou escrita no zepelim da Goodyear? Um sonho fantástico, em que um gigante me ensinava (e a Conão) o assunto? Um sonho corriqueiro, em que eu lia a frase num livro qualquer?

Desisto, e me deito até que vem um sono sem sonhos.